6.11.17

3. La belle de jour

Luis Buñuel - Belle de jour, 1967.
A gente possui certezas que, conforme o tempo passa, se tornam incertas. Acreditei por semanas que postaria Going to California, do Led Zeppelin, porque me lembra um dia específico em que fui à praia. Contudo, a companhia hoje me traz lembranças desconfortáveis porque houve (mais de) um grave rompimento familiar.
I think I might be sinking
Throw me a line if I reach it in time
I'll meet you up there where the path
Runs straight and high
Então hoje estou recordando, remoendo, com remorso de certas coisas do passado (que nada têm a ver com questões familiares porque, afinal, parente é serpente), e consegui ficar pior ainda ouvindo Alceu. O Alceu, que é a alegria de todos os artistas vivos que adoro e que são do nordeste. Não que seja uma surpresa, Anunciação sempre me deixou cair num poço incrível de existencialismo desde minhas épocas de catequese, quando entoava com a criançada (que eu detestava) essa música (que eu amo).

Não é Anunciação que me lembra do verão. Já já eu digo qual é, porque tem outras coisas a serem ditas na frente.

Esta cidade teve seus bons momentos (até as últimas eleições), que não aproveitei tão bem assim, porque quando o presente acontece a gente tem muita folga e deixa tudo pra depois; como diria Sua Mãe, eu estava entorpecido com outras paixões e ainda era imaturo para me jogar. Mas se teve algo que aproveitei 99% foi o Alceu.

Teve Alceu no Sesc Itaquera. Bem na hora de eu sair de casa lembro que choveu bastante, era domingo e eu disse Berenice, segura, nós vamos bater., e me lembro de chegar ao final de Cavalo de Pau. Foi maravilhoso dançar na lama num final de tarde, dançar até o pagode russo, porque na dança do cossaco não fica cossaco fora. Isso foi março. O ano correu de uma maneira que parecia bom, mas tava ruim, e parece que piorou. 2015 foi complicado, não é mesmo?
Teu coração tá batendo
Como quem diz:
"Não tem jeito!"
O coração dos aflitos
Pipoca dentro do peito
Então teve o Bloco Maluco Beleza no Parque Ibirapuera em janeiro. Um calor de rachar. Fafá de Belém cantando Vermelho até em versão Maracatu (spoiler: todas as versões são iguais, você só está bêbado) no trio de Alceu, fingindo que não havia votado em Aécio. Muito calor, muita gente pulando e bebendo e eu sóbria pois garrafa de vidro infelizmente não pode e eu sou enjoada e odeio cerveja. Odeio multidão, mas amo Alceu, fiquei pistola mas foi maravilhoso. Pena que. Tem coisas que a gente parece que saiu de um livro do Dostoievski e fica imaginando desculpas pessimistas para não agir. Momentos. Remorsos. Ai, Jesus.
Conclusão final, senhores: é melhor não fazer nada! É melhor a inércia consciente! Pois, então, viva o subsolo! Apesar de eu ter dito que invejo o homem normal até a minha última gota de fel, nas condições em que o vejo, não quero ser ele. (Embora não pare de invejá-lo; não, não, o subsolo, em todo caso, é mais vantajoso!) Ao menos, lá é possível... Ah! Estou mentindo agora também!
Daí teve Alceu no meu bairro mesmo. No meu bairro não tem nada, é tão periferia que luz elétrica da AES lá em casa só foi existir em 2015; que não há museu, centro cultural, biblioteca pública ou registro histórico para os ocupantes saberem quem são, de onde vêm e nem podem pensar para onde vão. Mas tem escolas públicas e um CEU. Pois foi nesse CEU que consegui levar mamãe pra ver Alceu. Dessa vez não foi nem grande show, nem trio elétrico; foi mais ou menos um acústico, com o mesmo script, mas parecia até novidade. Foi lindo e íntimo demais. Era frio, era junho de 2016. Um ano também complicado, obtuso. Triste.

Enfim, dos meus três momentos ouvindo os repentes de Alceu e as piadas sobre a música da muriçoca, em todos eles, não importando a estação do ano e as condições climáticas, eu lembro da moça bonita da praia de Boa Viagem. Essa música me dá uma coisa. Acho que o azul em que a Belle de Jour viajava é o azul em que me perdi e tenho me afundado. Para quem fala inglês, parece que o azul é um estado de espírito. Aqui temos a segunda-feira cinzenta, lá eles têm blue mondays. Hoje é segunda né. Tô triste. A frieza do azul me gela quando ouço essa música, inspirada num filme de Buñuel. Mas, ao mesmo tempo, o azul é a cor mais quente (não é só o filme não, é a física que diz) e queima meu peito e fica esse sentimento estranho e profundo dentro de mim.

Portanto, não podia ser outra senão essa, ainda mais nas atuais circunstâncias. E tomara, meu Deus, tomara! que em Pernambuco eu termine meu 2017.

3. a song that reminds you of summertime (uma música que te lembra o verão)


La Belle de Jour
Era a moça mais linda
De toda a cidade
E foi justamente pra ela
Que eu escrevi o meu primeiro blues

* Confira minha lista do 30 day music challenge

4 comentários

  1. Ah, o Alceu! ♥ Ele é um símbolo Pernambucano, um dos orgulhos do estado, coisa e tal. Sempre tem alguma casa na vizinhança o tocando alto - e eu gosto muito. Sempre tive pra mim que "Anunciação" seria a primeira música que cantarei pro meu filho. Diversas vezes meu namorado me cantou "La Belle de Jour" e a música também me dá uma coisa {inclusive, me arrepiei todinha ouvindo agora}. É difícil ficar indiferente à voz desse cara.
    Gostei de ler seus momentos com Alceu e gostei muito da ideia desse "projeto" <3

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    1. ah! o nordeste, Pernambuco! sou doida para conhecer e talvez ate viver em Recife.
      Alceu eh meu amorzao, sempre. e essas musicas,olha eu conheci lava magoas depois desse texto e o proprio alceu diz algo parecido comigo - Sinto o frio entrando pelos ossos. Como uma coisa um troço. Não sei explicar. estamos conectados!

      espero que se interesse em cumprir o projeto tambem, adoro ver as respostas das pessoas <3

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  2. Não vou nem mentir pra enturmar e dizer que amo Alceu, pq confesso não conhecer muita coisa dele... mas Anunciação, olha, essa música eu amo mesmo e mexe comigo mesmo tendo escutado mais vezes do que eu posso contar nos dedos.

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    1. sim, essa musica eh muito significativa, sempre emociona <3

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Tema base por Maira Gall, editado por Helen Araújo